Deveria ser um
sábado como outro qualquer, não fosse época de copa do mundo. Casas, fachadas
de prédios e condomínios todos enfeitados
com as cores que colorem a honra desta pátria tropical. Churrascadas
regadas a muita cerveja gelada. Amigos reunidos perto da piscina. Fogos, muitos
fogos. A alegria era contagiante. Era a revanche contra a seleção francesa,
aquela que em 1998 havia tirado o troféu das nossas mãos com três tiros
certeiros de um franco atirador chamado Zenedini Zidanne. De fato, aquela tarde
de sábado não era como os demais. Todos
os torcedores respiravam e transpiravam vingança. Ela viria. Cavalgando nas
asas da esperança, vestida de verde e amarelo. Vestida para vingar.
De repente o
celular tocou. Olhei na bina. Era a minha sobrinha. Não deveria ser nada grave,
ponderei. Mas era. Ligou me convidando para levá-la a um velório.A mãe de uma
amiga havia falecido. Na hora pensei, da maneira mais egoísta possível, “vou
perder o jogo. Justo agora? Por que esse defunto não escolhera uma hora mais
apropriada para resolver refinar a rapadura?” Muito a contra gosto acatei a
intimação e sai para o meu compromisso fúnebre. Eu não conhecia o defunto, mas isso não tornava o nosso
deslocamento até o local menos pesaroso.
Quando chegamos à capela , havia um movimento
considerável de carros e transeuntes. A consternação era total. Havia mais
pessoas lamentando a ausência física de outros entes queridos que também haviam
partido sem querer.
À
entrada, dois Querubins com suas cornetas pareciam tocar para despertar aqueles
que dormiam sem sonhar. O brilho das lajotas contrastava com a ausência de
vaidade entre aqueles que choravam. Abraços apertados tentavam amenizar a dor
que vinha de dentro, dilacerante, aguda, fria. As palavras eram poucas para
consolar, então o calor dos corpos unidos fazia era um remédio quase eficaz.
Enquanto a
minha sobrinha cumprimentava a família enlutada, eu fiquei caminhando por entre
as pessoas. Naquele momento pensei que deve ser verdade mesmo que todo encontro
com a morte é inesquecível, porque deixa
marcas profundas de uma dor intensa e inconfundível, a dor da perda. Choramos
quando perdemos, porque Deus nos criou para sermos vencedores. Por mais que
tentemos administrar as subtrações em nossa curta existência, o gosto
amaríssimo da derrota nos faz enxergar o quanto somos limitados e finitos.
Perto do
salão principal havia um tanque onde peixes ornamentais nadavam de um lado para
outro, alheios à despedida que acontecia
. Subiam à superfície, comiam a ração e voltavam ao marasmo de sua vida
pisciana. Ali não havia predadores, portanto, não havia motivos para
preocupação.
De
repente, no condomínio ao lado, os fogos começaram o seu espetáculo barulhento
e acinzentado. Gritos eufóricos invadiram o ambiente de dor . Ante aquele
acontecimento, percebi que duas realidade se encontravam da maneira mais sórdida possível. De um lado,
a dor dos que haviam perdido os seus queridos e do outro lado do muro, a
alegria daqueles que esperavam uma vitória que não viria. Duas multidões. Uma
chorava os seus mortos. A outra choraria o fracasso de uma revanche maldafada.
A seleção canarinho também seria abatida, não por uma foice, mas por um torpedo
saído dos pés de um discípulo de Zidanni chamado Thiery Anry. A França mais uma vez mostraria que o Velho
Mundo não se renderia à pátria de chuteiras.
O que há de
comum nas duas situações? A vida é um grande jogo que não dura apenas noventa
minutos. Todos participam dessa partida. Dão sangue, literalmente. Mas não há
substituições. Cada um deve jogar
exatamente o tempo que lhe for determinado.. Não há prorrogações e o cronômetro
não pára. Não existe bola fora. Córner. Lateral. Todas as bolas e jogadas,
todos os lances devem ser aproveitados. Nesse jogo não se pode dar ao luxo de
administrar bolas perdidas. Cada um joga a seu modo e quem não aproveita os
lançamentos, corre o risco de abandonar a partida antes da hora prevista..
Voltei para casa com a alma chorosa.
Para a seleção brasileira o jogo havia acabado e o sonho de estar no topo,
adiado. Mas a minha partida e a de muitos outros jogadores anônimos continuava.
O tempo é de fato inexorável. O que nos resta é jogar e aguardar
a voz do TREINADOR nos mandando descer para o vestiário. Enquanto isso não acontece, Olé!!!
Fernando
D’Ávila
02/08
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