segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O momento de cada um

CRÔNICA:  Trata-se de um texto híbrido, que nem sempre apresenta uma narrativa completa; e pode comentar, analisar e descrever de maneira leve os fatos do cotidiano.





      Deveria ser um sábado como outro qualquer, não fosse época de copa do mundo. Casas, fachadas de prédios e condomínios todos enfeitados  com as cores que colorem a honra desta pátria tropical. Churrascadas regadas a muita cerveja gelada. Amigos reunidos perto da piscina. Fogos, muitos fogos. A alegria era contagiante. Era a revanche contra a seleção francesa, aquela que em 1998 havia tirado o troféu das nossas mãos com três tiros certeiros de um franco atirador chamado Zenedini Zidanne. De fato, aquela tarde de sábado não era como os demais.  Todos os torcedores respiravam e transpiravam vingança. Ela viria. Cavalgando nas asas da esperança, vestida de verde e amarelo. Vestida para vingar.

       De repente o celular tocou. Olhei na bina. Era a minha sobrinha. Não deveria ser nada grave, ponderei. Mas era. Ligou me convidando para levá-la a um velório.A mãe de uma amiga havia falecido. Na hora pensei, da maneira mais egoísta possível, “vou perder o jogo. Justo agora? Por que esse defunto não escolhera uma hora mais apropriada para resolver refinar a rapadura?” Muito a contra gosto acatei a intimação e sai para o meu compromisso fúnebre. Eu não conhecia  o defunto, mas isso não tornava o nosso deslocamento até o local menos pesaroso.

         Quando chegamos à capela , havia um movimento considerável de carros e transeuntes. A consternação era total. Havia mais pessoas lamentando a ausência física de outros entes queridos que também haviam partido sem querer.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         À entrada, dois Querubins com suas cornetas pareciam tocar para despertar aqueles que dormiam sem sonhar. O brilho das lajotas contrastava com a ausência de vaidade entre aqueles que choravam. Abraços apertados tentavam amenizar a dor que vinha de dentro, dilacerante, aguda, fria. As palavras eram poucas para consolar, então o calor dos corpos unidos fazia era um remédio quase eficaz.

           Enquanto a minha sobrinha cumprimentava a família enlutada, eu fiquei caminhando por entre as pessoas. Naquele momento pensei que deve ser verdade mesmo que todo encontro com a morte é inesquecível, porque  deixa marcas profundas de uma dor intensa e inconfundível, a dor da perda. Choramos quando perdemos, porque Deus nos criou para sermos vencedores. Por mais que tentemos administrar as subtrações em nossa curta existência, o gosto amaríssimo da derrota nos faz enxergar o quanto somos limitados e finitos.

            Perto do salão principal havia um tanque onde peixes ornamentais nadavam de um lado para outro, alheios à despedida  que acontecia . Subiam à superfície, comiam a ração e voltavam ao marasmo de sua vida pisciana. Ali não havia predadores, portanto, não havia motivos para preocupação.

             De repente, no condomínio ao lado, os fogos começaram o seu espetáculo barulhento e acinzentado. Gritos eufóricos invadiram o ambiente de dor . Ante aquele acontecimento, percebi que duas realidade se encontravam  da maneira mais sórdida possível. De um lado, a dor dos que haviam perdido os seus queridos e do outro lado do muro, a alegria daqueles que esperavam uma vitória que não viria. Duas multidões. Uma chorava os seus mortos. A outra choraria o fracasso de uma revanche maldafada. A seleção canarinho também seria abatida, não por uma foice, mas por um torpedo saído dos pés de um discípulo de Zidanni chamado Thiery Anry.  A França mais uma vez mostraria que o Velho Mundo não se renderia à pátria de chuteiras.

           O que há de comum nas duas situações? A vida é um grande jogo que não dura apenas noventa minutos. Todos participam dessa partida. Dão sangue, literalmente. Mas não há substituições. Cada um  deve jogar exatamente o tempo que lhe for determinado.. Não há prorrogações e o cronômetro não pára. Não existe bola fora. Córner. Lateral. Todas as bolas e jogadas, todos os lances devem ser aproveitados. Nesse jogo não se pode dar ao luxo de administrar bolas perdidas. Cada um joga a seu modo e quem não aproveita os lançamentos, corre o risco de abandonar a partida antes da hora prevista.. Voltei para casa com a alma chorosa.  Para a seleção brasileira o jogo havia acabado e o sonho de estar no topo, adiado. Mas a minha partida e a de muitos outros jogadores anônimos continuava.  O tempo é de fato  inexorável. O que nos resta é jogar e aguardar a voz do TREINADOR nos mandando descer para o vestiário.  Enquanto isso não acontece, Olé!!!



                                                               Fernando D’Ávila

                                                                         02/08

Nenhum comentário:

Postar um comentário